Quem tem o poder de criar uma Constituição?

     O Poder Constituinte é um dos assuntos mais amplos do Direito Constitucional, da Ciência Política e da Teoria do Estado. O próprio nome já expressa um conceito com múltiplas possibilidades de interpretação: poder. Quando falamos sobre poder, logo pensamos em obediência, subordinação, sujeição e coação. Na perspectiva de Radomir Lukic poder não é um “fenômeno autônomo que se realiza por si próprio, mas um meio para atender a certa finalidade social”. Nesse sentido, devemos nos perguntar, além do que é o poder constituinte: quem tem sua titularidade? E quando é que acontece a interseção entre direito e política?

     Em uma acepção histórica do poder constituinte – feita pela maioria da doutrina – podemos dividir tal poder em três fases: a clássica, a moderna e a contemporânea. Preconizada por Sieyès, a visão clássica define poder constituinte como a “capacidade de criação ou modificação de um texto constitucional”. Há, posteriormente, um desmembramento dessa classificação em: Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado de Reforma.

      O Poder Constituinte Originário é aquele que cria e inicia uma nova Constituição, no qual o titular é a Nação. Nação é entendida como “expressão do povo como unidade homogênea”, segundo Dalmo Dallari. Dessa forma, esse poder seria um poder de fato, não sendo necessário respeitar ou seguir qualquer norma anterior, por isso tido como revolucionário. Nessa visão clássica não era questionada a legitimidade. Portanto, processos não democráticos eram considerados também como um poder constituinte originário, sendo ilimitado e incondicionado.

      O Poder Constituinte Derivado de Reforma é aquele conferido pelo Poder Constituinte Originário de alterar pontualmente a Constituição. Esse poder não é de fato e sim jurídico pela razão de estar condicionado e limitado pelo que a Constituição estipula.

      Partindo para a perspectiva moderna de Poder Constituinte, com influência principalmente de Jellineck, há a alteração de quem é o titular do poder, qual seja, o povo, entendido como “dimensão subjetiva do Estado”. Tal mudança, aconteceu devido a um aumento da complexidade, não admitindo mais a noção de unidade trazida pelo conceito de nação.

     Para a visão moderna, tanto o Poder Constituinte Originário quanto o Derivado de Reforma são limitados, sendo ambos poderes jurídicos e não de fatos. As limitações são: territoriais, deve-se ser exercido dentro das fronteiras de um país; culturais, pois se o titular é o povo deve-se respeitar os costumes e; os direitos humanos, que representam um resgate ao pensamento jusnaturalista posterior à Segunda Guerra Mundial. Na visão moderna, o Poder Constituinte Derivado de Reforma tem um novo alcance, pois foram admitidas mudanças semânticas, isto é, a alteração de significado de um mesmo texto constitucional, o que foi denominado de mutação informal.

     Por fim, na visão contemporânea, o titular do Poder Constituinte é o sujeito constitucional que é construído permanentemente através da prática discursiva, citando o professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz: “essa possibilidade permanentemente renovada de debate sobre o conteúdo dos direitos fundamentais inerente ao próprio discurso conduz à conclusão de que a identidade do sujeito constitucional seja um conceito construído procedimentalmente e de conteúdo semântico/sintático incompleto e em aberto.”

    Conclui-se que com o passar do tempo foi se modificando o que é o poder constituinte assim como quem possui sua titularidade, e que as acepções atuais nos revelam uma pluralidade e uma constante construção discursiva sobre o mesmo. Assim, o indivíduo é ao mesmo tempo autor e destinatário do processo constituinte, sendo esse processo aberto a diversas interpretações, feitas por qualquer pessoa, o que Habermas entende necessário para tornar mais ativa a democracia e o controle da própria Constituição.

Bárbara Choucair – Monitora de Teoria da Constituição