A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR
Bárbara Thaís
Humberto Lima Filho
A doutrina da liberdade do mar reinou até o século XVII com o fim de reger a extensão de domínio nos oceanos, limitando direitos e jurisdições nacionais sobre os oceanos a um estreito cinturão de mar em torno da costa de uma nação. O restante dos mares era considerado passagem livre para todos e terra de ninguém. No entanto, a partir do século XX, o aumento da tensão entre os direitos das nações costeiras, as perspectivas de uma rica colheita de recursos no mar, a presença crescente de potências marítimas, as pressões da navegação de longa distância e uma doutrina de liberdade de mar conflitante, ameaçava transformar os oceanos em uma arena de conflito e instabilidade.
Após a II Guerra Mundial, o presidente norte-americano, Harry S. Truman, respondendo à pressão dos interesses nacionais do petróleo, estendeu unilateralmente a jurisdição dos Estados Unidos sobre todos os recursos naturais da plataforma continental do país. Esse foi o primeiro grande desafio ao princípio da liberdade do mar. Consequentemente, outras nações logo seguiram o exemplo entre a década de 40 e 70: Argentina, Chile, Peru, Equador, Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Líbia, Venezuela, Indonésia, Canadá, dentre outros.
No final da década de 60 houve um aumento na exploração do petróleo. Os oceanos estavam sendo explorados como nunca antes: grandes navios de pesca percorriam os oceanos longe de suas margens nativas, capazes de ficar longe do porto por meses seguidos; submarinos nucleares mapeavam águas profundas nunca antes exploradas; projetos de mísseis antibalísticos eram colocados no fundo do mar; superpetroleiros transportavam petróleo do Oriente Médio para portos europeus e outros. Consequentemente, houve um aumento das reivindicações de soberania e recursos oceânicos por parte dos Estados.
Diante disso, em 1967, o embaixador de Malta, nas Nações Unidas, Arvid Pardo, solicitou aos líderes de todas as nações do mundo que se atentassem ao que estava acontecer em seu reder – um perigo iminente de um conflito que poderia devastar os oceanos e a própria raça humana. Assim, em um discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Arvid Pardo sugeriu “um regime internacional eficaz sobre o fundo do mar e o fundo do oceano além de uma jurisdição nacional claramente definida”. Disse que essa era “a única alternativa pela qual podemos esperar evitar a crescente tensão que será inevitável se a situação atual continuar”.
Nesse momento, muitos percebem a necessidade de atualizar a doutrina da liberdade do mar. Iniciou um processo que perdurou por 15 anos, momento o qual floresce o Comitê do Fundo do Mar das Nações Unidas, a assinatura de um tratado que proíbe armas nucleares no fundo do mar, dentre outros marcos. Assim, o que começou como um exercício para regular o fundo do mar se transformou em um esforço diplomático global para regular as áreas oceânicas, todos os usos dos mares e todos os seus recursos.
A Conferência de Estocolmo é o divisor de águas, foi convocada em Nova York em 1972, terminou nove anos depois com a adoção, em 1982, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Durante esses nove anos, indo e voltando entre Nova York e Genebra, representantes de mais de 160 Estados soberanos sentaram-se e discutiram as questões, negociaram direitos e obrigações nacionais no curso das negociações que deram origem a Convenção.
A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar dispõe sobre: limites da jurisdição nacional, jurisdição econômica, status legal, navegação, zona econômica exclusiva, plataforma continental, mineração do fundo do mar, regime de exploração, pesquisas cientificas marinhas, dentre outros assuntos. A Convenção foi adotada como um “acordo de pacote”, para ser aceito como um todo em todas as suas partes, sem reservas em nenhum aspecto. O documento entrou em vigor em 16 de novembro de 1994.
Em todo o mundo, os governos tomaram medidas para colocar suas extensas áreas de oceano adjacente sob sua jurisdição. E a definição do mar territorial trouxe alívio a reivindicações conflitantes, uma vez que a navegação se baseia agora em princípios legais. Estabeleceu a Autoridade Internacional do Fundo Marinho, que organiza e controla atividades no fundo do mar além da jurisdição nacional, com vistas à administração de seus recursos, bem como o Tribunal Internacional para o Direito do Mar.
As Nações Unidas continuam orientando o desenvolvimento e adoção da Convenção do Direito do Mar, monitorando o desenvolvimento relacionados à Convenção e prestando assistência aos Estados, quando solicitados, no processo de ratificação ou implementação. A Divisão de Assuntos Oceânicos e Direito do Mar (DOALOS) do Escritório de Assuntos Jurídicos das Nações Unidas coordena as atividades e os programas da Organização na área de assuntos marítimos.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), através de seu Programa Marítimo Regional, atua no sentido de promover a proteção dos oceanos e mares e o bom uso dos recursos marinhos. A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), através da Comissão Oceanográfica Intergovernamental, coordena programas de pesquisa marinha, sistemas de observação, atenuação de riscos e melhoria de gestão do oceano e zonas costeiras. A Organização Marítima Internacional (IMO) desenvolve uma vasta gama de tratados, focando, em particular, na prevenção da poluição dos oceanos e mares, dentre eles a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL), de 1973, alterada por um protocolo em 1978, e a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição do Mar por Hidrocarbonetos, de 1954.
Ademais, há o Acordo das Nações Unidas sobre Populações de Peixes Transzonais e Altamente Migratórios, de 1995, que prevê um regime de conservação e gestão desses recursos, com vista a garantir sua conservação e uso sustentável em longo prazo, além dos estudos sobre o Estado dos Recursos Mundiais de Peixes Altamente Migratórios, Transzonais e outras Espécies, publicação online da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).