PARA QUE SERVE A FILOSOFIA?
Ou como eu respondo a pergunta mais freqüente.¹
Em pouco mais de dois meses como monitor da disciplina de Filosofia do Direito, não preciso de ir muito longe para identificar qual é a dúvida que mais apetece meus colegas no curso.
Ao contrário do que se poderia imaginar, não me perguntam sobre as diferentes concepções de Justiça para Platão ou Aristóteles, ou como se deve perceber o debate entre Heráclito (para quem tudo é eterno vir a ser) e Parmênides (segundo qual o ser é imutável). Tampouco me questionam como o Comunitarismo de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino fortemente ensejaram no surgimento do Jusnaturalismo. Da mesma forma, não lhes suscita dúvida respeito de como o Iluminismo de Kant contribuiu para uma modernidade extremamente racional, culminando no forte e rígido positivismo de Kelsen.
Poderia continuar pontuando questões relevantes da história da filosofia e como esta influenciou as noções de Direito e Estado por todo o percurso temporal da sociedade humana. Os autores e correntes são inumeráveis e representam toda sorte de significação de vida, cadeia moral ou senso ético, partindo de tantos fundamentos quanto possíveis. Porém, o que chamo atenção nesta pequena reflexão não é isso.
Na realidade, as indagações dirigidas a mim questionam a necessidade da disciplina no curso, qual seu efeito prático ou, ainda, como seria possível alguém gostar de filosofia [do direito]. Respondo trazendo à tona experiências vividas em sala de aula. Certa vez um professor foi alvejado da mesma pergunta. Sua resposta foi simples, ao dizer que a matéria servia para-nada. Cabe dizer apenas que o aparente desdém do professor poderia significar o termo heideggeriano para designar toda a potência da liberdade de escolha do ser humano, em vista das possibilidades diante daquilo que ele chama de mundo circundante. Doutra vez, em palestra sobre o papel das universidades no período brasileiro da ditadura militar, um professor foi questionado, de forma semelhante, sobre a necessidade de estudar tais matérias no curso de Direito e sobre o porquê de não se poder lecionar de pronto a prática forense. Sua resposta foi pertinente ao assunto da palestra. Disse que o aluno tecnicista e preso à legislação e ao direito institucional era o preferido da ditadura: não questionava.
Nossa sociedade vive período imediatista, marcado pela necessidade produção de resultados e respostas instantâneas a qualquer custo. A filosofia exige esforço contrário. Reflexiva, intangível, busca muito mais questionar do que responder. O perfil daqueles que procuram o curso de Direito não é imune a isso e invariavelmente acompanha o fluxo das relações sociais. A instabilidade socioeconômica do país faz com que, cada vez mais, os jovens recém egressos do ensino médio busquem a estabilidade e a segurança que o funcionalismo público-estatal pode oferecer. Não se exige, com rigor, um conhecimento de tipo filosófico para aqueles que buscam ingressar no setor público: os critérios de avaliação são sempre objetivos, taxativos, exatos. Semelhantemente, o direito forense tem tomado rumos cada vez mais instrumentalizados e engessados, com freqüentes edições de súmulas e decisões controversas nos tribunais superiores que nos fazem perceber como a mecanização do direito processual, não nos tem mais permitido enxergar a análise das minúcias do caso concreto no momento das decisões judiciais.
Responder ao título desse texto é um desígnio que exige um grande esforço reflexivo. Como se pode perceber, a filosofia não pretende responder de imediato, mas sim traçar um proceder reflexivo, aguçar o senso crítico e ajustar nossas lentes para que melhor possamos enxergar e perceber, não só as situações fáticas de nosso entorno, mas também de que maneira nossas concepções internas carecem de mudança. Desenvolver o senso crítico é essencial se quisermos situar nosso ser – e nossa sociedade – no tempo e no espaço. Questionar a ordem posta é fundamental para garantir não só a existência, mas exeqüibilidade de qualquer direito considerado essencial à vida em sociedade. Como se sabe, tais direitos são oriundos não de concessão, nem de concepção técnico-científica, mas de ações e inflexões de quem esteve diante do que lhe foi apresentado como mundo.
Por Vitor Maia Veríssimo¹
¹Graduando em Direito pela Faculdade Mineira de Direito (PUC/MG). Monitor de Filosofia do Direito. Pesquisador do Núcleo Justiça e Democracia.