Primeiramente, gostaria de desculpar-me por iniciar este texto com algo que irei contestar nas próximas linhas. Mas não pude evitar esta abordagem e acabei caindo em alguns vícios. Michel Foucault mostrou-me em algumas de suas obras, um fenômeno tanto quanto comum na estruturação da nossa sociedade: o disciplinamento. Para ele, o poder como algo microfísico, polimorfo ou, em outras palavras, como algo que não está nas mãos de um(ns) mas sim, em certa medida, nas mãos de todos, necessita de certas técnicas para estabelecer as relações entre sujeitos.
Uma dessas técnicas é o disciplinamento realizado sobre os saberes. Em um primeiro momento, observamos a eliminação, desqualificação dos saberes que são considerados como inúteis e economicamente dispendiosos e, logo em seguida, o ajustamento desses saberes uns com os outros. Após, há uma espécie de hierarquização em que alguns saberes serão considerados como mais importantes, superiores aos outros, criando-se, portanto, uma centralização piramidal subordinadora.
Neste sentido, Foucault compreende que nesta poliformia do poder, nem tudo é considerado como saber verdadeiro já que o disciplinamento determina o que deve ser disseminado e o que deve ser ignorado. Um dos momentos que assinala o disciplinamento dos saberes, segundo ele, foi o surgimento das Universidades como forma de difusão dos saberes considerados como oficiais. A Universidade aparece como protagonista da homogeneização do saber, constituindo uma espécie de comunidade científica com métodos, regras, organização e consenso. Logo, ela é fundamental para a construção de uma sociedade de normalização, pois é fonte do “conhecimento verdadeiro”, daquilo que é científico, que foi estudado, testado e comprovado. Na Universidade só se produzem as “verdades” que devem ser seguidas fielmente por aqueles que não foram iluminados pelo conhecimento.
E se, não consigo através de palavras expressar um mínimo de ironia, gostaria de pedir para que você retorne à primeira frase do meu texto, já que estou criticando o papel normalizador dos saberes científicos acadêmicos utilizando eles mesmos. E o questionamento que faço é: por que a produção acadêmica deve ser colocada no topo da pirâmide hierárquica de conhecimentos? Por que demais saberes não são tão importantes quanto os acadêmicos? E, ainda mais, por que dentro da Universidade acatamos tantas regras que minam novas possibilidades de vivências além daquelas já impostas?
Não precisamos ir muito longe para encontrarmos pessoas que estão infelizes com a trajetória dentro da Universidade já que devemos ser uma série de coisas, exceto nós mesmos. A normalização mina as possibilidades do ser e restringe novas formas de conhecimento e, a partir daí, a felicidade para alguns se distancia deste meio acadêmico, visto que onde não se pode ser, não se pode ser feliz. Importante salientar que não conceituo felicidade. Não estou afirmando que ela deve perpassar exatamente sobre a ausência da normalização. Mas estou dizendo que cada sujeito pode encontrar o que para ele é felicidade a partir de um espaço em que ele tenha autonomia para realizar construções, da forma como seja pertinente a ele mesmo. Caso contrário, continuaremos vivendo em uma sociedade de massificação, onde todo mundo é todo mundo e ninguém é ninguém.
O que quero dizer ao final de tudo isso é que algumas pessoas, estudiosos, familiares, filósofos, professores, acadêmicos, amigos, advogados, militantes de causas sociais e etc. puderam nos mostrar algo que deve ser contestado: o papel da nossa Universidade. E quando digo nossa, refiro-me ao fato de que este espaço não deve ser tratado como algo desconexo da nossa vida, que tem apenas a finalidade de nos fazer decorar leis e imprimir diplomas, mas como um ambiente de construção própria e coletiva; um espaço público de transformação de cada sujeito, na medida em que ele também transforma tudo aquilo que está a sua volta. Além disso, ela é nossa Universidade porque devemos perceber que a integramos, que fazemos parte dela e que, por isso, podemos trazer à luz as nossas singularidades.
Acredito que a Universidade torna-se um espaço de construção de cada sujeito a partir do momento em que há quebras no paradigma da normalização. As regras de consenso, as regras de disciplinamento, as regras do ser já não são mais suficientes para suprir as demandas coletivas e individuais que aqui aparecem. A reformulação de novas formas de relacionamento e de construção conjunta de conhecimento são demandas que vivem no corpo das pessoas que compõem a Universidade. A necessidade de atentarmos ao pluralismo é algo que já está a nossa porta há décadas. Foucault falou. Outras e outros também falaram. Agora nos resta falar mais.
Izabella Riza
Monitora de Introdução ao Estudo do Direito I e II, bolsista de iniciação científica pelo PROBIC/FAPEMIG e extensionista pelo Projeto Laços.