Pamprincipiologismo1. Palavrinha difícil, feia. Quisera eu que não tivesse significado algum. Porém, uma das facetas mais feias que o Direito nos impõe. Não por culpa de si mesmo, mas pela incapacidade dos aplicadores da lei entenderem a importância do estudo e aprendizado acerca da teoria, da impossibilidade da dissociação entre teoria e prática e de um Constitucionalismo da Efetividade Social 2 desenfreado, buscando soluções desesperadas.
A primeira palavra inserida no texto não será mais repetida. O motivo é a crença do autor em afastar coisas ruins. Assim como Voldemort não é pronunciado em Harry Potter, a mazela contemporânea não será mais citada. O significado de você-sabe-quem, em resumo, é a “capacidade” dos juízes e aplicadores da lei inventarem fundamentos para decisões judiciais, baseadas em princípios ou fundamentos esparsos, de acordo com seu solipsismo e sua vontade pessoal.
Decisões que, na maioria das vezes, fogem à legalidade e se aliam à força dos princípios. Mas o que seriam os princípios? Não há consenso. Poderiam ser normas, ou, radicalmente, apenas uma hermenêutica. Princípios esparsos, apenas para justificação de pensamentos pessoais, ideias do que é justo. Agora, uma palavra polissêmica para a reflexão: justiça. Da qual cada um tem sua ideia e seu conceito. Em um caminho onde há tantas dúvidas, espanto traz aplicadores do Direito pronunciarem tantas certezas.
Imagine agora, caro leitor, que seu time de futebol está jogando. Tranquilamente no sofá, você está vidrado no jogo. Passados 90 minutos, o acréscimo vai se esgotando. Bola na área defensiva de seu time, o atacante adversário pega com a mão a queridinha do jogo e…faz o gol, validado pelo juiz (!). Indagado ao fim do jogo sobre a validação de um gol completamente irregular, o árbitro responde que a justiça foi feita, pois o time adversário merecia o empate e não deveria ser derrotado naquele duelo. A alegoria trazida é um paralelo de muitas decisões que vemos por aí, estampadas na TV Justiça, ou em algum gabinete sombrio.
Como a crítica do texto está centralizada na pessoa que toma para si o dever de julgar, importante a citação da obra3 de Cass Sunstein sobre as diversas personalidades que cada uma dessas pessoas pode ter. Alerta-se apenas que o rol não é numerus clausus.
A primeira persona, para o autor, é de um juiz soldado, aquele que apenas traz às decisões judiciais o conteúdo político, legitimando cada ato e texto normativo editado por seu Estado, fazendo com que cumpram cada vírgula exposta pelo Legislativo, sem questionar valores. Apenas prestam continência e segue o jogo.
A segunda figura é a do juiz minimalista. Para eles, deve ser evitado, ao máximo, decisões que possam modificar de forma ampla um estado (não Estado), que traga uma ampla novidade. Dessa forma, valorizam a aplicação da tradição, simplesmente seguindo o que já é sedimentado. A compreensão é de que, para eles, a espiral da história, de Hegel, deve girar, até que a sociedade se organize de forma que, por meio do processo Legislativo, dissensos antes encontrados sejam solucionados.
O terceiro juiz, objeto da análise do americano, é o juiz mudo. Sim, aquele que se cala. Apenas em grandes casos, os juízes mudos não se pronunciam, apenas “seguem o fluxo”. Para eles, não é papel do Judiciário impor decisões em processos de alta complexidade. Assim como o juiz minimalista, o juiz mudo compreende que o dínamo legítimo da mudança é o Processo Legislativo. Portanto, apenas repetem a jurisprudência consolidada. O ideal é que a discussão se torne madura.
Por último, o juiz heroi. A primeira ressalva a ser feita é a de que o juiz citado não é semelhante ao Herculeano, trazido por Dworkin, como equiparado em muitas releituras. Para o filósofo, não deveria haver ativismo, mas uma integralidade do Direito, onde decisões tomadas devem abranger todos os cidadãos. O juiz heroico é aquele completamente descrente no sistema, que não encontra mais Montesquieu como uma garantia de direitos, mas como uma burocracia e uma máquina de se fabricar disparidades. A moralidade de tais juízes deve ser sempre a fonte inspiradora da decisão (ou escolha?), onde um dito bem comum deve sempre prevalecer. Mas há conceito acerca do que seja bem comum? Definitivamente, não.
Quem dera pudéssemos visualizar a aplicação de algo parecido com as bases da Teoria da Relatividade de Einstein. Um observador que, dependendo do ponto onde se encontra, enxerga de modo diverso dos outros o fenômeno que acontece. Porém, algo será sempre absoluto, as leis da natureza. Onde quer que esteja, a lei será universal. O que pode mudar é a concepção acerca do ocorrido, mas a aplicação da lei matemática seria sempre a mesma. Mas sabemos que o Direito não é ciência exata, além dos riscos que traria a aplicação de critérios matemáticos. Ficamos só olhando para o alto, para a República de Platão, talvez lá tenhamos a resposta, quem construirá a luneta para observar e anotar tudo?
Para finalizar, insiro a música ao texto. Aquela que adocica os ouvidos, com o perdão da sinestesia. Aquela que entra na mente, sem sequer ser percebida. Aquela que molda gerações. Nada mais justo do que citar Metallica, a banda atemporal. Em tradução, trecho de “And justice for all” 4, música gravada no ano de promulgação da Constituição brasileira, é ela:
“Eu não posso acreditar nas coisas que você diz
Eu não posso acreditar
Eu não posso acreditar no preço que nós pagamos
Nada pode te salvar
A justiça está perdida
A justiça está estuprada
A justiça já era
Puxando suas rédeas
A justiça está feita
Em busca de nenhuma verdade.”
Que saibamos sair desse mundo invertido, como em Stranger Things e que Will, assim como nós, possamos passear de bicicleta pelo mundo jurídico, sentindo o vento de boas decisões, sem nos preocuparmos com os vários Demogorgons que tanto nos assustam.
Filipe Barbosa Silva Pergentino
Graduando em Direito pela Faculdade Mineira de Direito (PUC/MG). Monitor da Disciplina Teoria da Constituição. Pesquisador PROBIC em Direito Civil.
REFERÊNCIAS
[1] STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.50
[2] BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil – 1ª reimpressão, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013.
[3] SUNSTEIN, Cass. Constitutional Personae. Nova Iorque: Oxford University Press, 2015.
[4] HETFIELD, James; ULRICH Lars; HAMMET, Kirk. And Justice for All. Metallica, Flemming Rasmussen, 1988.
STRECK, Lênio Luiz. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-nov-12/senso-incomum-heroi-soldado-minimalista-ou-mudo-sao-perfis-juizes>